27 abril, 2017

o medo



Hoje de manhã bateram três vezes na porta, e eu, meio sonolenta fui atender. Era o medo. Sua visita já era esperada como todas as outras vezes que eu começava a gostar de alguém. Nós éramos bons amigos e todas as vezes que ele me visitava eu o convidava para entrar e me fazer companhia. Ele sentava ao meu lado no sofá, e lá ficava. Assistíamos a todos aqueles programas chatos de auditório enquanto ele me convencia que tudo daria errado mais uma vez caso eu tentasse. E eu o observava atentamente assentindo em cada palavra dita. O medo era meu maior aliado, com ele eu era intocável. Eu afastava de mim todos os possíveis fracassos, e com isso eu estava imune a qualquer sofrimento. Então, todas as vezes que ele batia a minha porta, eu o recebia com o mesmo sorriso e o deixava entrar para me preencher. Certo dia me disseram que eu tinha muito medo de arriscar, que eu nem havia tentado. E aquilo ficou na minha cabeça por semanas.

''Toc toc'', era o medo novamente. Eu abri a porta e minha cara de assustada o deixou confuso. Ele perguntou se podia entrar, e eu meio sem jeito deixei a porta entreaberta... ele entrou de mansinho mas dessa vez não se sentou, permaneceu de pé enquanto me encarava. Me olhou nos olhos e perguntou: ''O que houve com você?''. Eu balancei a cabeça dizendo ''nada'' e pedi para que sentasse ao meu lado.

Com o tempo, em cada visita sua, eu conversava menos, contava menos sobre mim. Apenas ria das piadas da tv sem ao menos tentar ser agradável. Até que numa manhã de sábado em mais uma de suas visitas, ele bateu na porta. Eu perguntei quem era e ele respirou fundo e disse ''Sou eu, o medo. Me deixa entrar!''. Ignorei seu pedido e sentei sozinha no sofá. Achei que eu merecia uma chance de tentar ao menos, antes de ser preenchida com todo aquele medo.

Na semana seguinte não houve visitas e o medo finalmente percebeu que não era mais bem vindo na minha casa. Agora, sem ele, eu poderia tentar, me jogar de cabeça, arriscar sem ele. E foi o que eu fiz. Mas, inacreditavelmente, eu, que achei que poderia mudar o final dessa história, tive medo de ser feliz. Tive medo de ser tão feliz que esquecesse que ainda assim eu deveria ter medo. E foi justamente aí que eu desabei. Voltei pra casa sem rumo, sem saber o que pensar. Revirei na cama, sem conseguir dormir e durante meus devaneios a campainha tocou. Ignorei, virei para o outro lado e fechei meus olhos, mas não conseguia parar de pensar nessa tal felicidade que tanto me assustava. Tentei dormir, mas os meus pensamentos não deixavam. Foi quando a campainha tocou novamente: Desci da cama, calcei o chinelo e caminhei até a porta. Era o medo novamente, ele sentiu minha angústia de onde quer que ele estivesse. 

Sem pronunciar nenhuma palavra, abri a porta e o deixei entrar, peguei minhas chaves reservas e dei em suas mãos. Ele não precisaria mais bater na porta, pois já havia me tomado por inteira.