Encontrava-me no bonde das 11hrs quando o vi tão loquaz. Suas vestes num tom de cáqui e seu cabelo incólume. Sem dúvidas era um dândi. Apesar de haver poucos assentos vazios, passou fugaz e pândego ao meu lado à procura de um lugar ao sol. Imediatamente senti meu rosto ruborizar como nunca dantes ao notar que, não muito longe, estava ele a fitar-me. Se mamãe estivesse ao meu lado, obviamente já teria me repreendido por olhar tanto para trás, mas não pude evitar. Durante a longa viagem mantive a sensação de arroubo, era como se houvesse uma balbúrdia interna incontrolável e perene.
Quando eu era petiz, mamãe dizia para nunca nos dirigirmos a estranhos, mas senti uma vontade incontrolável de conhecê-lo melhor, afinal ele me parecia tão inócuo. Foi quando ouvi, num tom ardiloso, o jovem rapaz suscitar ao meu lado. O choque foi tremendo e senti-me corar no exato instante. Fitamo-nos por não muito mais que alguns segundos, por medo de alguém notar, e delicadamente reparei que ele deixara cair um papel. Reconditamente abaixei-me para pegar o papel inofensivo, e, ao me levantar, o belo rapaz havia sumido. Anotado no papel, com letras garrafais, havia um endereço, não muito longe dali. Quando dei por mim já havia descido do bonde, para ir ao seu encontro.
Uma rua não muito movimentada seria motivo suficiente para me fazer recuar, mas minha pouca idade e meus modos de veneta não me deixaram notar o perigo que se aproximava. A alguns metros dali pude vê-lo entrar numa espécime de ruela, com passos apressados, como se pretendera esconder-se de alguém. Naquele momento hesitei, pois uma moça como eu não seria tão conseguível assim. Mas pude ouvir um ruído quase ininteligível, um silvo, uma doce voz que me chamava. De súbito me percebi indo ao seu encontro, sem mais pensar em nada.
A ruela estava deserta e, confesso, uma sensação estranha percorreu por todo o meu corpo, fazendo arrepiar os pelos da minha nuca. Havia nela um homizio, onde poderíamos conversar sem que ninguém nos visse ou julgasse por estarmos sozinhos. Quando aconteceu, não sei bem lhes informar quantos eram, ou quem eram aquelas pessoas, mas houve uma irrupção. Tudo aconteceu tão depressa que, felizmente, o tempo irá apagar aos poucos de minha memória aquele dia terrível.
Do que me lembro ou permito-me recordar, havia mais dois rapazes, um deles aparentava ter uns 24 anos ou mais, já o outro eu poderia jurar que não tinha menos de 30. O mais velho, que parecia ser o mais pérfido deles, chamou-me de meretriz e mais algumas palavras de baixo calão que recuso-me a repeti-las. Nunca desejei tanto o fenecimento como naquele momento. Aqueles seres ignóbeis e repugnantes riam como se estivessem se divertindo, e a curra se concretizara. O opróbrio era inevitável, e largada ali, meu pior pesadelo havia se tornado realidade. Calei-me e esperei tudo aquilo terminar.
Quando penso que tudo isso poderia ter sido evitado, é quase impossível não me sentir culpada, e mesmo que não o fosse — e nem ouso levantar tal disparate — quem me acreditaria? Por quem não seria eu alvo de repreensões por toda parte? Equivoquei-me ao pensar ser mais livre do que realmente sou. Hoje, mais do que qualquer outro dia, me senti muda, incapaz e estúpida. Nunca mais tive a audácia de tomar o bonde das 11hrs.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Para comentar usando seu nome: Comentar como > Nome/URL > Coloque seu nome > Comente > Publicar.